Saidinhas em MG: 114 presos não retornam e reacende debate sobre ressocialização
Especialistas e autoridades debatem os impactos da saída temporária no sistema prisional e na segurança pública em MG
-
A saída temporária, mais conhecida como “saidinha”, é um benefício previsto pela Lei de Execução Penal para presos que atendem a certos requisitos.
Embora tenha sido uma prática comum durante as festas de fim de ano, a realidade por trás dessa autorização é mais complexa e envolve discussões sobre o comportamento dos detentos, fiscalização, leis, e a estrutura do sistema prisional brasileiro.
📲 Siga o canal de notícias do Paranaíba Mais no WhatsApp

O benefício das saidinhas em MG
Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), em Minas Gerais, no último fim de ano, 3.724 presos foram beneficiados com a “saidinha” de final de ano e apenas 114 não voltaram (3,1%). Uma taxa inferior ao período anterior (23/24), quando 3.760 presos foram beneficiados e 160 não retornaram (4,3%).
As saídas temporárias do último fim de ano, com extensão máxima de 7 dias para cada preso, aconteceram no período de 18/12/24 até 08/1/25.
O supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas (GMF) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, José Luiz de Moura Faleiros, explicou como funciona o benefício, seguindo o artigo 123 da Lei 7.210 de 1984
“A saída temporária não é um direito absoluto e o cumprimento de pena é um critério fundamental. Para o condenado primário, é necessário ter cumprido pelo menos um sexto da pena; já para os reincidentes, esse mínimo sobe para um quarto. Além disso, não são todos os crimes que garantem esse benefício: crimes como assaltos, tráfico de drogas, estupro e crimes com violência são impeditivos”.
A preocupação com a fiscalização
A fiscalização da “saidinha” é um dos pontos que geram grande preocupação na sociedade. Durante o período de fim de ano, muitas pessoas se questionam sobre a possibilidade de o benefício ser utilizado de maneira inadequada.
Para garantir que os detentos retornem, a fiscalização é um ponto chave, embora, como destaca Faleiros, a vigilância não seja direta.
A Polícia Militar (PM) tem um papel central nessa fiscalização. Com uma presença significativa nas cidades, ela pode abordar os detentos e verificar se eles estão cumprindo as regras do benefício. Faleiros destacou que, caso o detento descumpra as regras, a abordagem é imediata, com o encaminhamento do foragido para a justiça.
Leis e direitos no sistema prisional
A Lei de Execução Penal, modificada em 1982, estabelece que o sistema prisional deve ser progressivo, semelhante ao inglês, ou seja, o condenado passa por diferentes regimes, começando pelo fechado e, ao longo do tempo, podendo alcançar regimes mais brandos, como o semiaberto e aberto.
A intenção do sistema, segundo Faleiros, é dar uma chance de reintegração ao preso, principalmente por meio do trabalho e da educação. Em Uberlândia, por exemplo, o supervisor destacou que as unidades prisionais, como a Jacy de Assis e a Pimenta da Veiga, representam avanços em relação ao passado, oferecendo melhores condições e um maior foco na ressocialização dos detentos, se destacando em comparação a outras comarcas do Brasil.

Segurança nas ruas
No início de janeiro, a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) informou que, nos primeiros 16 dias de 2025, prendeu 891 indivíduos com mandados de prisão em aberto por crimes de diversas naturezas.
Na última semana, em São Paulo, um uberlandense foi vítima de latrocínio em um bairro nobre em São Paulo. A taxa de criminalidade mostra o receio da população de sair para as ruas, justificando a falta de segurança.
Em 2024, o policial Roger Dias, de 29 anos, morreu baleado na cabeça em São Paulo por um criminoso que estava sob o benefício da saidinha.
Luiz comentou sobre os detentos que possuem o benefício e fazem jus a oportunidade.
“Aquele que sai para trabalhar e estudar, normalmente não quebra o benefício, pois ele está buscando um meio de sobrevivência no futuro […] Pelo menos em Minas Gerais, a proposta é que o detento possa cumprir a pena e ser ressocializado”.
Ele também destacou sobre o sentimento da sociedade, que na maioria das vezes é contra a saidinha.
“Eu concordo que a sociedade está correta, porque ninguém suporta viver trancado em casa. E quando sai à rua, como o jovem uberlandense na semana passada, foi a São Paulo e acabou morto […] Essa é a grande preocupação da sociedade brasileira, o grande temor das pessoas, pois ninguém se sente seguro mais”, disse.
Ele ainda explica que, “quando se fala de benefício para preso, aumenta a sensação de impunidade, aumenta a preocupação da sociedade. Mas uma coisa que temos que pensar é, o indivíduo, uma vez preso, o Estado tem que dar o tratamento digno para ele. O estado não pode usar o sistema prisional para punir além da segregação, além do punimento da liberdade, a personalidade, os aspectos psicológicos, morais, etc, do preso”, finalizou.
A ressocialização
No Brasil, autoridades divulgam que cerca de 70% das pessoas que cumprem pena de prisão no Brasil reincidem no crime depois de algum tempo em liberdade.
Faleiros abordou sobre como o sistema atual dentro dos presídios afetam os presos. “Nós sabemos que o preso dificilmente se recupera, porque dentro dos presídios acontece muita impunidade, entra droga, entra celular, grandes facções são comandadas de dentro do sistema prisional”.
O supervisor ainda destaca que, “a sociedade reclama com razão. A solução são as autoridades públicas constituídas, principalmente governamentais, criarem propostas para que os presos possam se aprimorar, oferecendo educação de ensino fundamental até a faculdade”, concluiu.
Leia Mais
O papel das APACs e a estrutura prisional
As APACs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados) são uma alternativa ao sistema tradicional de prisão. Elas oferecem uma abordagem mais humanizada, com foco na recuperação do preso por meio do trabalho, educação e convivência em um ambiente menos hostil.
Para Faleiros esse sistema é maravilhoso. Ele argumenta que é um modelo que está na Alemanha, na França e deve ser seguido, pois a APAC propicia o aprimoramento ao trabalho, permitindo que o preso não fique apenas aprendendo coisas piores dentro do sistema prisional.
Ele destaca também que muitos presos são pressionados dentro dos presídios por facções, o que resulta em medo da família, do lado externo, pagar por algo que deixou de fazer, resultando no trabalho forçado.
“Não é que ele está fazendo alguma coisa, ele está sendo forçado a fazer. Então acaba envolvendo a família, acaba envolvendo pessoas do tipo dele no sistema prisional. Isso tudo tem que ser preocupação dos órgãos de fiscalização”. explica.
Durante a entrevista ele ainda diz que, “a prestação judicial fiscaliza, mas a justiça, que é censurada em muitas circunstâncias pela população, não é capaz de modificar isso. A justiça faz o seu papel. Ela fiscaliza e administra o processo, ela fiscaliza essa execução penal que visa o trabalho e visa o estudo. Mas se o poder executivo não oferece a perspectiva de trabalho justo, como que nós ficamos? Nós ficamos de mãos atadas. A sociedade brasileira continua cobrando e a sensação de impunidade aumenta a cada dia”.
Estrutura da saidinha
Para o coordenador, o beneficio da “saidinha” tem que ser rigído, visando a mudança comportamental do preso.
“E a saída temporária, por mais que ela seja censurada, ela, de fato, precisa de ser muito rígida, precisa ser muito rigorosa, porque senão você vai incentivar o indivíduo a sair para cometer crime, e não sair para buscar o aprimoramento da personalidade […] Conforme a polícia militar diz, a polícia prende e a justiça solta”, finalizou.
O fundo penitenciário e o custo de um detento
Outro ponto relevante é o custo de manter um detento. O Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) é uma das fontes de recursos para o sistema prisional, com contribuições provenientes do orçamento federal, multas penais e doações.
Esse fundo é utilizado para custear as despesas com o sistema, incluindo a manutenção das unidades prisionais e programas de ressocialização.
O custo de um preso é uma preocupação constante. No entanto, o objetivo da legislação brasileira, de acordo com Faleiros, é garantir que os presos, ao saírem do sistema, possam se reintegrar à sociedade de maneira responsável, com a possibilidade de um futuro mais digno e menos propenso à reincidência.