Avanços, desafios e o papel das políticas públicas na evolução do diagnóstico do autista
Centro de Referência a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CR-TEA), no Pacaembú, é a primeira unidade em Minas que oferece assistência pelo SUS
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Uma em cada 36 crianças nasce com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no mundo, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, e no Brasil, os números seguem uma tendência semelhante, com cerca de 2 milhões de pessoas vivendo no espectro, conforme a Organização Mundial da Saúde. O Censo Escolar de 2023 registrou um aumento de 48% no número de alunos com TEA matriculados na educação básica entre 2022 e 2023, totalizando 636 mil estudantes.
Nesta quarta-feira, 2 de abril, Dia Mundial de Conscientização do Autismo, autoridades no assunto celebram conquistas e reflexões sobre os desafios enfrentados por quem vive com essa condição. Realidade que em Uberlândia também tem história.
Este transtorno do neurodesenvolvimento afeta a comunicação, a interação social e o comportamento, ou seja, envolve um universo de particularidades que exige diagnóstico precoce, apoio contínuo e inclusão. No entanto, quando esse diagnóstico é feito tardiamente, há uma série de implicações que podem ocorrer na vida do indivíduo.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, na rede pública 1.247 pacientes com diagnósticos em TEA estão em acompanhamento nas unidades especializadas. No entanto, os números não incluem casos em que os pacientes estão em processo de diagnóstico ou atendidos pela rede particular.
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Segundo o psicólogo clínico Lucas de Carvalho, o TEA é uma condição presente desde o nascimento da criança. No entanto, como o nome sugere, não existe uma definição exata, o que pode dificultar o diagnóstico. “Algumas pessoas precisam de mais suporte no dia-a-dia, enquanto outras conseguem levar uma vida mais independente”, comenta. Esse é um dos fatores que, possivelmente, contribui para que alguns casos sejam diagnosticados tardiamente ou, em alguns casos, nunca recebam um veredicto formal.
O ideal é que o diagnóstico ocorra nos primeiros anos de vida. Sinais como atraso na resposta ao nome, ausência de sorriso social e dificuldades em compartilhar brincadeiras são alguns exemplos, complementa Daniel Vieira, mestre em psicologia com especializações em Neuropsicologia, Autismo e Educação.
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Quando esses sinais são ignorados ou não recebem a devida atenção, as consequências podem impactar diretamente a vida do indivíduo. Daniel Vieira explica: “Essas pessoas lidam com as situações de algum modo, e, quando chegam à vida adulta, as dificuldades se tornam mais evidentes”. Ele acrescenta que, geralmente, essas pessoas têm muitos rituais e comportamentos rígidos e enfrentam dificuldades no entendimento social, percepção do outro, motivação social e interação.
Entre as características predominantes, o autista não consegue se ajustar a grupos e sofrem quando há quebra de rotina, o que causa um sofrimento significativo, devido à dificuldade em compreender os acontecimentos. “Eles (autistas) se veem como diferentes, portanto, quando recebem o diagnóstico, é como uma libertação”, conta.
O alívio de entender-se após décadas
Phabliny Martins, graduada em análise de sistemas, recebeu seu diagnóstico tardio, mas ao mesmo tempo trouxe clareza para muitas dúvidas e questionamentos. “Entendi por que várias coisas aconteciam comigo”, diz ela, que enfrentou crises na vida adulta até buscar ajuda, inspirada por um primo. Ela se questiona o que o diagnóstico precoce teria impactado sua infância.
“Professores mais sensíveis e terapias precoces teriam reduzido minha ansiedade, criado um ambiente mais acolhedor e adaptado ao meu jeito de aprender, interagir e a transição para a vida adulta”, afirma a analista de sistemas.
Ainda segundo Phabliny Martins, sua infância foi marcada pela sensação de ser diferente: “Minha mãe dizia que eu era uma criança estranha. Eu tinha comportamentos diferentes das demais crianças. Ela me levou a uma psicóloga, o que não era comum para a época, e a psicóloga disse que esses comportamentos logo passariam”.

Já Célio Freitas, professor da rede estadual, não imaginava que seria autista, mas se surpreendeu após não entender uma ironia no ambiente de trabalho que, na verdade, era uma ameaça. A surpresa ocorreu porque os sinais eram diferentes dos que ele tinha conhecimento, baseados nas propagandas dos anos 90.
“A propaganda dizia que o autista ‘vive no seu próprio mundo’, algo com que, de certa forma, me identificava. Na época, falava-se muito pouco sobre o assunto, mas aquela mensagem me fez literalizar a ideia e pensar. Eu falo e até consigo olhar nos olhos, então não sou autista!'”, conta.
Após entender a condição, ele percebeu que os sinais estavam mais presentes na sua infância do que imaginava. “Eu tinha sobrecargas sensoriais constantes na escola. Eu as chamava de ‘dores de cabeça’, pois, para mim, o excesso de ruídos se manifestava também como uma dor física. Então, eu associava, se é barulho, é dor de cabeça ou dor de ouvido”, explica.
Agora adulto e educador, Freitas passou a levar a informação sobre o autismo a mais pessoas ao seu redor, ajudando outros a receber o diagnóstico.
No entanto, o professor ainda encontra dificuldades no ambiente escolar, pois, como ele destaca, “nós professores, não somos preparados para reconhecer alunos autistas. Somos brevemente apresentados ao tema e cobrados a promover a inclusão, mas sem treinamento adequado”.
Ele observa que com seu diagnóstico, consegue tratar questões neurodivergentes e de inclusão com mais facilidade, embora reconheça que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Alguns colegas de profissão ainda têm dificuldade em lidar com o tema”, afirma.

O TEA e a rede pública de saúde
O governo brasileiro oferece atendimento pelo SUS com triagem em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e acompanhamento em Centros Especializados em Reabilitação (CER) e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é classificado em três níveis, conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), que define o suporte necessário para cada pessoa.
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Nível 1: Autismo leve, com dificuldades sociais e comunicativas menos intensas, permitindo uma adaptação razoável ao convívio social.
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Nível 2: Autismo moderado, com desafios mais significativos na comunicação e interação social, exigindo apoio para lidar com situações mais complexas.
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Nível 3: Autismo severo, com deficiências graves na comunicação e comportamentos repetitivos, necessitando de grande suporte para interação social e adaptação.
O termo “graus de autismo” foi substituído pelo conceito de níveis de gravidade no DSM-5, que classifica o TEA com base na intensidade dos sintomas e nas necessidades de apoio.
A mudança visa melhorar a compreensão individualizada do transtorno, destacando a importância do diagnóstico precoce e tratamentos adequados para a qualidade de vida das pessoas com TEA.
Ações em Uberlândia
A rede municipal de saúde de Uberlândia oferece serviços de apoio e centros de atendimentos a pessoas autistas, como o Campus Municipal da Pessoa com Deficiência, o Centro Especializado em Reabilitação (CER), o Centro de Referência a Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CR-TEA) e Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPS-IJ).

O CR-TEA, inaugurado em 2022 pelo Município, é o primeiro centro especializado no estado que oferece assistência pelo SUS e está localizado no bairro Pacaembú. O Centro presta atendimento à crianças de 18 meses a 5 anos e 11 meses. Quem quiser mais informações, a porta de entrada é por encaminhamento via Unidade Básica de Saúde.
Outra iniciativa de suporte é a Associação Zeiza Dojo (Avenida Abadio Bonifácio da Silva, 493, Granada), que apoia mais de 2.000 famílias/mês, oferecendo atendimentos gratuitos, com atividades de karatê e balé.
Já o Centro de Convivência Autismo e Otimismo (Avenida Princesa Izabel, 1050, Centro) promove acolhimento e atividades para autistas e seus familiares, reforçando a importância do apoio contínuo e da inclusão.