A despedida de um “anjo torto”: Jards Macalé morre aos 82 anos no Rio e deixa legado de liberdade na MPB

Compositor de clássicos como Vapor Barato, o artista passou sua carreira rompendo padrões, misturando linguagens e defendendo a experimentação como princípio, o que lhe rendeu o apelido de anjo torto

, em Uberlândia

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Jards Macalé, um dos nomes mais inquietos e livres da música brasileira, morreu nesta segunda-feira (17), aos 82 anos, no Rio de Janeiro. O cantor e compositor estava internado em um hospital na Barra da Tijuca, onde tratava problemas respiratórios e sofreu uma parada cardíaca. A morte, confirmada por amigos e pela equipe do artista nas redes sociais, encerra a trajetória de um criador que transbordou a música e atravessou, com a mesma intensidade, o cinema, o teatro e as artes visuais.

 

 

Nascido em 1943, no bairro da Tijuca, Macalé cresceu em uma casa onde piano, acordeom e valsas eram trilha permanente. O ambiente familiar musical conviveu, na vizinhança, com figuras do rádio como Vicente Celestino e Gilda de Abreu, cenário que moldou o ouvido precoce do menino Jards.

Jards Macalé
Jards Macalé morre nesta segunda (17) e deixa um legado eterno – Crédito: Instagram/Reprodução

Reconhecimento do anjo torto

Sua carreira ganhou força nos anos 1960, quando Elizeth Cardoso gravou sua primeira composição. A partir daí, ele seguiu construindo uma obra marcada por rupturas. O Brasil o conheceu de vez em 1969, na impactante apresentação de Gotham City no Festival Internacional da Canção, performance que antecipava o olhar vanguardista que viria a caracterizá-lo, a ponto de se tornar o “anjo torto” da MPB.

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Em 1972, lançou seu primeiro álbum solo, Jards Macalé, peça fundamental da música brasileira. Nele, consolidou uma estética plural, combinando rock, samba, jazz, blues, baião e canção. Dessa fase nasceram faixas que se tornaram referência, como Hotel das Estrelas, Mal Secreto e Vapor Barato, eternizadas também nas vozes de Gal Costa e Maria Bethânia.

 

 

Parceiro frequente de poetas como Waly Salomão, Torquato Neto e José Carlos Capinan, Macalé fez da experimentação uma assinatura. Sua recusa a seguir padrões comerciais aproximou-o de outros artistas igualmente insubmissos, como Luiz Melodia.

Ao longo da carreira, nunca abriu mão dessa coerência, seja ao interpretar Ismael Silva e Lupicínio Rodrigues, seja ao explorar arranjos que misturavam erudição e brasilidade crua em seu violão marcante.

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O multiartista também navegou com naturalidade por outras linguagens, compondo para obras de Hélio Oiticica, Xico Chaves e Lygia Clark. Ele dirigiu shows de Gal Costa e Maria Bethânia e colaborou com Caetano Veloso em Transa (1972), produzido por ele durante o exílio do baiano em Londres. No cinema, fez trilhas e atuou em filmes de Nelson Pereira dos Santos.

Mesmo após 60 anos de atividade, manteve vigor criativo. Em 2019, lançou Besta Fera, álbum recebido com entusiasmo pela crítica.

Eterno

A equipe do artista, ao anunciar sua morte, lembrou a maneira irreverente com que Macalé atravessava até os momentos mais delicados. Segundo o comunicado, ele chegou a acordar de uma cirurgia cantando Meu Nome é Gal. “Cante, cante, cante. É assim que sempre lembraremos do nosso mestre, professor e farol de liberdade”, diz o texto, seguido de uma frase do próprio compositor: “Não quero mais ser moderno, quero ser eterno”.

Jards Macalé rompeu moldes, recusou rótulos e defendeu a arte como um espaço de risco e liberdade. Sua obra, múltipla, inquieta e profundamente brasileira será eterna, bem como seu nome: Jards Macalé, o anjo torto.