O retorno ao trabalho e amamentação são duas condições muito difíceis de conciliar quando a mãe volta da licença-maternidade. Sem muitas oportunidades e nem sempre com uma boa rede de apoio, a mulher se vê entre duas escolhas que podem custar muito a ela: interromper o aleitamento materno ou a carreira.
Uma pesquisa de doutorado divulgada pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) ouviu 198 mulheres, sendo 163 trabalhadoras formais e outras 35 autônomas.
O objetivo foi mapear os principais impactos da relação do retorno ao trabalho e amamentação.
De acordo com os dados, um período de licença-maternidade igual ou superior a seis meses reduziu em 40% o risco da interrupção do aleitamento exclusivo. O prazo possibilitou que as mães pudessem amamentar de forma exclusiva por mais tempo.
Já as jornadas diárias de trabalho iguais ou superiores a oito horas aumentaram em 36% o risco da interrupção do aleitamento materno continuado, reduzindo a duração da amamentação.
Com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a pesquisa foi desenvolvida pela consultora internacional em lactação e responsável técnica do Banco de Leite Humano da UFU, Dra. Marília Santos, sob a orientação da professora do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina, Dra. Ana Elisa Madalena Rinaldi.
Retorno ao trabalho e amamentação no ponto de vista das mães
O estudo não só identificou o risco de interrupção do aleitamento materno pós-licença, como deu voz para que essas mães pudessem partilhar as experiências sobre o retorno ao trabalho e amamentação.
Afinal, como as condições no ambiente de trabalho podem favorecer ou dificultar a manutenção do aleitamento materno?
“O grande diferencial do trabalho foi poder ouvir essas mulheres, porque além dos dados, conseguimos compreender o sentimento delas com o retorno ao trabalho. Eu entrevistei uma mãe que retornou com apenas 10 dias após o parto. Em 10 dias, o útero ainda está se recuperando do parto. Isso demonstra uma falta de proteção trabalhista onde a mulher tem que deixar a cria para voltar a trabalhar e garantir o seu sustento”, destacou Marília.
Angústia da separação
Segundo a pesquisadora, durante os depoimentos, todas as trabalhadoras relataram sentir medo, angústia ou tristeza ao se separar da criança na volta às atividades. Em muitos momentos chegaram a demonstrar frustração, desespero e apreensão com o processo de continuidade do aleitamento e um possível desmame precoce.
A conciliação de atividades de trabalho junto às atividades de cuidado materno foi apontada pelas entrevistadas como responsável pelo desgaste físico e emocional.
Licença-maternidade
A licença-maternidade foi reconhecida como essencial para que as mães pudessem manter a amamentação.
O período de licença-maternidade de seis meses foi mencionado por todas as trabalhadoras formais como sendo um período mais adequado, pois possibilita o aleitamento exclusivo em livre demanda e a introdução alimentar do bebê antes do retorno ao trabalho.
Intervalos
O retorno ao trabalho e amamentação, para todas as trabalhadoras ouvidas, exigiu uma dedicação extrema com relação aos períodos de extração de leite e amamentação da criança.
No caso das trabalhadoras formais, uma jornada diária de seis horas ou menos auxiliava para não ser necessário extrair leite no ambiente de trabalho, pois logo a mãe estava com a criança, o que possibilitava o aleitamento e direcionamento do tempo de extração com outras atividades.
Em relação às pausas, a pesquisa identificou ausência de intervalo ou tempo inferior ao preconizado pela legislação, além de ausência de instalações adequadas para extrair e armazenar o leite humano.
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O que diz a lei?
O artigo 396 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece descansos especiais, de meia hora cada um, para a mãe amamentar o próprio filho, até que complete seis meses, durante a jornada de trabalho.
Essa pausa pode ser completa em uma hora antes ou ao final do expediente se a mãe assim preferir.
O direito ao aleitamento materno está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como princípio básico de saúde. Entre os benefícios estão a presença de anticorpos que garantem proteção contra infecções respiratórias e gastrointestinais.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é alimentar a criança apenas com leite humano, sem adição de outros alimentos ou líquidos, incluindo água, nos primeiros seis meses de vida e, em seguida, introduzir alimentos sólidos saudáveis mantendo o aleitamento até dois anos ou mais.
No entanto, a CLT garante direito à licença-maternidade de apenas quatro meses. No funcionalismo público, o prazo pode ser prorrogado por mais 60 dias.
Marília criticou a falta de atualização da lei criada em 1943 que, para ela, não acompanhou a evolução da sociedade com o aumento expressivo da participação feminina no mercado de trabalho.
Para a consultora em lactação, ficou evidente no estudo que essa realidade é muito prejudicial para as mães que precisam conciliar retorno ao trabalho e amamentação.
“Mesmo a mulher que volta após seis meses, ou a que retorna em quatro meses e amamentou exclusivamente neste período, essa mama vai continuar produzindo leite. A produção de leite por uma mulher é uma necessidade biológica e a extração dele é fisiológica. Não é um capricho, é uma necessidade”, disse.
Gestores também opinaram sobre o tema
O estudo também buscou ouvir o “outro lado da moeda”: os empregadores e gestores de mães trabalhadoras. Foram identificadas as seguintes situações:
• O período de licença maternidade de seis meses foi considerado adequado por 100% dos gestores cujas empresa/instituição ofereciam este tempo.
• Em contrapartida, 60% dos gestores representantes de empresas que ofereciam quatro meses consideraram este período como inadequado.
• Com relação ao programa Empresa Cidadã, que oferece incentivos fiscais para empresas que ampliam os períodos de licença-maternidade por mais 60 dias e licença-paternidade por mais 15 dias, 63% relataram conhecer o programa, apesar de apenas uma ter sido cadastrada.
• Dentre os motivos para o não cadastramento no programa federal, o desconhecimento foi o mais relatado dentre os gestores.
• Todos os gestores responderam conhecer a legislação trabalhista de proteção à maternidade, sendo que 63% das empresas representadas concediam 4 meses de licença maternidade e 38%, 6 meses.
• Há a percepção, pela maioria dos gestores, de que o período de licença-maternidade de seis meses é mais compatível com as recomendações de amamentação exclusiva, preconizada pelos órgãos de saúde.
“Nós percebemos que alguns gestores não sabem até hoje o que é garantido por lei para essa trabalhadora, nem sobre o Empresa Cidadã. Houve relatos de que é necessário entender a situação das empresas e de que não há incentivos para que seja feito diferente do que está previsto na CLT”, comentou a consultora.
Maternidade e desigualdade de gênero nas empresas
Diante de todas as percepções sobre o retorno ao trabalho e amamentação, a pesquisadora concluiu que há dificuldade de reinserção e permanência das mulheres em empregos melhores e bem remunerados, após a maternidade.
“Falta olhar para as mulheres. Essa falta de apoio das empresas traz consequências como a desigualdade de gênero dentro do ambiente de trabalho, que fica mais preenchido por homens. Quando a maternidade chega, ninguém olha para essas mulheres que precisam ser mães e precisam conciliar os afazeres”, finalizou.
Marília Santos defendeu a criação de mais políticas públicas para valorizar a mulher mãe no mercado de trabalho, como salas de apoio de amamentação nas empresas e ampliação das licenças maternidade e paternidade.