Feminicídios em Uberlândia representam cerca de 85% de todos os registros do ano passado

Onze mulheres foram vítimas de homicídio até maio. É a mesma média de vítimas de violência doméstica diariamente na cidade

09/07/2024 ÀS 07H32
- Atualizado Há 2 meses atrás

A violência contra a mulher tem chegado a estatísticas alarmantes. Só até maio deste ano, 11 mulheres foram vítimas de feminicídios em Uberlândia.

Os dados foram disponibilizados pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) e representam quase 85% de todos os casos registrados no ano passado.

Além disso, o número de crimes consumados em 2024 já é o maior considerando os últimos quatro anos.

mulher vítima de violência doméstica se protegendo de agressões
Número histórico de feminicídios em Uberlândia foi registrado em março – Foto: Freepik

Registros de feminicídios em Uberlândia

 

  • 2024
    11 feminicídios
    6 consumados*
    5 tentados
  • 2023
    13 feminicídios
    4 consumados
    9 tentados
  • 2022
    9 feminicídios
    2 consumados
    7 tentados
  • 2021
    11 feminicídios
    2 consumados
    9 tentados

 

Quando no dia do fato a vítima é socorrida com vida, mas acaba falecendo dias depois, o crime continua sendo registrado como feminicídio tentado e não consumado. Foi o que aconteceu com o crime registrado no mês de março, no bairro Élisson Prieto.*

A vítima de 32 anos foi esfaqueada quatro vezes pelo agressor, quando segurava o filho no colo, uma criança de apenas 2 anos.

A família disse que o casal já tinha rompido o relacionamento, mas no dia do crime estavam consumindo bebida alcoólica juntos em um bar, quando a briga começou.

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Na época dos fatos, a ocorrência foi registrada como tentativa de homicídio, porque a mulher foi socorrida com vida e permaneceu internada em estado grave no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU). No entanto, a vítima acabou morrendo no dia 9 de abril.

Durante as investigações, o suspeito de 37 anos foi preso pela Polícia Civil na zona rural de Ipameri (GO).

Mês da Mulher trágico

O mês de março, considerado o “Mês da Mulher”, foi o mais atípico e registrou sete feminicídios em Uberlândia, sendo seis deles consumados. É o maior número de crimes dessa natureza ocorridos em um único mês nos últimos quatro anos.

No mesmo período do ano passado não houve nenhum feminicídio no mês. Em março de 2022 e 2021, a Polícia Militar (PM) registrou uma tentativa de feminicídio no mês.

O primeiro caso foi registrado no segundo dia do mês. O homem matou a ex-companheira, de 38 anos, a facadas. Ele ainda agrediu duas crianças, filhos da vítima, no bairro Santa Rosa. O criminoso foi localizado e preso após o crime.

Agentes funerários retiram corpo de casa no bairro Jaraguá em Uberlândia
Caso no bairro Jaraguá foi um dos feminicídios em Uberlândia no mês de março – Foto: TV Paranaíba/Reprodução

No dia 13 de março, uma mulher de 30 anos foi morta também a facadas pelo ex-marido no bairro São Jorge. O homem fugiu de carro, mas foi preso na BR-153 em Morrinhos, no interior de Goiás.

No dia 15, um homem tentou matar a ex-companheira de 32 anos que estava em um carro de aplicativo indo para o trabalho. Ele estava foragido e foi preso cerca de dez dias depois.

Um casal foi encontrado morto dentro da própria casa no bairro Jaraguá no dia 17 de março. A suspeita é que a mulher de 51 anos foi assassinada pelo marido, de 62 anos, que teria tirado a própria vida em seguida.

A última vítima dos feminicídios em Uberlândia ocorridos em março (consumados) foi de uma mulher de 35 anos assassinada por esganamento pelo marido no bairro Segismundo Pereira. O corpo da vítima foi encontrado mais de 24 horas após o assassinato.

11 mulheres são agredidas por dia

Os números demonstram um cenário trágico de assassinatos e tentativas de homicídio contra a mulher na cidade, mas não param por aí. Até o mês de maio, 1.766 mulheres foram vítimas de violência doméstica no município.

Mulher com agressões no olho vítima de violência
Em média, 11 mulheres são vítimas de violência doméstica todos os dias em Uberlândia – Foto: Freepik

Os crimes contra as mulheres representam 42,6% de todos os registrados no ano passado (4.138). É uma média de 11 mulheres sendo agredidas todos os dias sem considerar os muitos casos que são subnotificados, por não haver denúncia formalizada à polícia.

Para a coordenadora da Comissão Permanente de Acompanhamento da Política Institucional de Valorização e Proteção das Mulheres (CPMulheres), Neiva Flávia Oliveira, a crescente violência contra a mulher está associada a uma postura cultural da sociedade e dos sistemas de segurança, em serem complacentes com homens violentos com mulheres.

“Poderia se ter um melhor sistema de segurança para as mulheres, que permitisse maior agilidade nos processos, nas denúncias e mais rapidez nas prisões, mas vai além disso. As mulheres são induzidas a se sentirem culpadas por denunciarem ‘o pai de seus filhos’, a serem responsabilizadas pelo ‘fracasso do casamento’. São vistos [homens] como pessoas ‘de bem’ que, em algum momento, por alguma ação da mulher perderam a razão, ou seja, é cultural”, comentou.

Educação e políticas públicas de memória

Oliveira, que também é professora da UFU, defende que a violência de gênero só será realmente combatida com políticas públicas voltadas à Educação.

Professora Neiva Flávia da UFU fala sobre feminicídios em Uberlândia
Professora Neiva Flávia defende políticas públicas voltadas ao ensino para prevenir e combater a violência contra a mulher – Foto: Milton Santos

Nesse sentido, ela defendeu a implementação imediata da lei 14.540, promulgada pelo governo federal no ano passado – que trata do enfrentamento aos crimes contra a dignidade sexual no ensino e trabalha com ênfase na capacitação e prevenção-, em todos os âmbitos de ensino.

“Sem qualquer sombra de dúvidas, o caminho é a educação, a memória, a reconstrução da nossa identidade, seja incluindo nos conteúdos curriculares histórias e literaturas de mulheres, livros de mulheres, seja incluindo a temática do enfrentamento à violência contra as mulheres”, finalizou Flávia.

Por fim, pontuou que uma política pública de memória para as mulheres em termos de logradouros públicos e memoriais, além de campanhas de incentivo governamental para se ter ações culturais em todos os âmbitos de mulheres e de enfrentamento a essa violência seriam essenciais para enfrentar a violência contra a mulher.

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