Outono no Cerrado: sobrevivência em meio à seca e calor aumentam desafios para fauna e flora
Especialistas alertam para os impactos das mudanças climáticas na região, com seca severa e temperaturas elevadas afetando o equilíbrio natural
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No coração do Brasil, o cerrado se caracteriza por sua vegetação única e ciclos climáticos marcados por diminuição das chuvas e longos períodos de seca. Embora os ventos e as variações diárias de temperatura possam parecer constantes, a natureza deste bioma é dinâmica e adaptável.
O outono começa oficialmente nesta quinta-feira (20), às 6h02, e se estenderá até 20 de junho, quando dará lugar ao inverno. O período é caracterizado por temperaturas mais amenas, dias mais curtos e noites mais longas, além da queda das folhas das árvores caducas, que transformam a paisagem com tons outonais.
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Nesse cenário, as estações do ano desempenham um papel fundamental na sobrevivência das espécies locais. Com a chegada do outono, um novo ciclo começa a se desenhar, e a fauna e a flora do cerrado se preparam para as mudanças impostas pelo clima.
A mudança climática, embora muitas vezes imperceptível em suas manifestações diárias, já traz consigo desafios significativos para esse ecossistema tão peculiar.
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Danúbia Magalhães, especialista em ecologia vegetal e ecologia de ecossistemas, e Kleber Del Caro, doutor em ecologia e reconhecido como como um dos cientistas mais influentes do mundo segundo a PLOS Biology 2020, explicam como a natureza responde a essa estação.
A vegetação: estratégias de sobrevivência
De acordo com Danúbia Magalhães, a principal característica do outono na nossa região não é a mudança drástica das estações, como ocorre em regiões mais afastadas da linha do Equador, onde a variação de luz e temperatura resulta em estações bem definidas.
Em nosso caso, o que se destaca é a transição entre a estação chuvosa e a seca, que marca de forma mais forte a vegetação. Durante o outono, muitas plantas entram em um processo de adaptação para enfrentar o período de seca que se aproxima. “As plantas começam a perder as folhas para evitar a perda excessiva de água e, assim, economizar energia para manter suas funções vitais”, explica a especialista.
Essa preparação para o período seco é observada em muitas espécies que, ao longo do outono, ficam mais secas e acinzentadas, já que o vigor das folhas diminui. Mesmo as frondosas Paineiras, com seu cronograma de floração peculiar, se mostram floridas neste momento de transição, apesar de já estarem sem folhas. “Isso acontece para que as sementes produzidas sejam viáveis e possam germinar no início da estação chuvosa,” detalha Danúbia Magalhães.
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Além disso, o outono provoca uma redução nos níveis de umidade do ar, o que também serve como gatilho para a floração de algumas espécies. Embora a mudança no comprimento dos dias seja sutíl, ela afeta diretamente o comportamento das plantas. Segundo a especialista, as plantas de ‘dia curto’, como as paineiras, começam a florescer quando percebem essa pequena variação.
A maior dificuldade para as plantas nesta estação é, sem dúvida, a escassez de água. “Elas precisam encontrar formas de passar os próximos cinco meses, até o retorno das chuvas, com o solo muito seco e com pouca água disponível,” informa Danúbia Magalhães, destacando como as mudanças climáticas tornam esse desafio ainda mais intenso.
Estação também afeta a fauna
Para Kleber Del Claro, doutor em ecologia, a fauna também está atenta às mudanças que o outono traz. Ele observa que, com a diminuição das chuvas e a queda nas temperaturas, o comportamento de diversos animais se alteram.
“O início da troca de plumagem em muitos passarinhos é um sinal claro de que o outono chegou,” diz Del Claro. Espécies como as andorinhas, curruíras e borboletas de voo rápido (como as Pieridae) também começam a migrar ou mudar seus hábitos à medida que a estação avança. De acordo com ele, os animais se deslocam em busca de melhores condições de sobrevivência, seja por água, seja por alimento,” completa.

Com a falta de água e o aumento da temperatura, muitos animais se locomovem em busca de recursos. Essa alteração no comportamento é uma estratégia para lidar com as condições mais extremas que o outono impõe. O impacto das mudanças climáticas tem sido sentido de forma crescente, como aponta o doutor em ecologia. “Estamos observando um outono cada vez mais quente e seco, o que afeta a flora e a fauna, principalmente os polinizadores”, disse.
A redução da quantidade e da regularidade das chuvas impacta a floração das plantas, prejudicando a produção de frutos e sementes que dependem dos polinizadores, como abelhas, borboletas e morcegos. “Se a tendência de aquecimento e seca continuar, podemos enfrentar uma grave escassez de alimentos, já que muitas culturas dependem desses polinizadores para reprodução,” alerta o doutor.

Espécies como laranja, tomate, pimentão, soja, milho, e até frutos nativos como o pequi, estão sendo afetadas pelas estações, e isso reflete diretamente na cadeia alimentar. “Os polinizadores têm um papel fundamental para a manutenção da biodiversidade e da agricultura”, explica Kleber, destacando a importância de preservar os ecossistemas naturais para garantir a sobrevivência de diversas espécies.
O desafio das mudanças climáticas
De acordo com os especialistas ouvidos pelo Paranaíba Mais, as mudanças climáticas têm se intensificado nos últimos anos e afetado a dinâmica natural da nossa região. “O ano passado registrou o período de seca mais severo dos últimos 70 anos, e estamos vivendo um déficit hídrico sem precedentes,” observa a especialista.
Isso tem levado a uma maior ocorrência de incêndios e um aumento na severidade da seca, impactando diretamente a flora e a fauna. O mais preocupante, segundo os especialistas, é que as adaptações naturais das plantas e animais já não estão mais funcionando como deveriam.
“Quando as condições climáticas mudam, as estratégias que as plantas e os animais desenvolveram ao longo de milhões de anos para enfrentar essas mudanças começam a falhar,” explicou Danúbia Magalhães. O resultado é um desajuste entre a flora, a fauna e o clima, o que pode ter efeitos graves em toda a cadeia ecológica.
Com a chegada do outono, regiões do Brasil, situadas perto da linha do Equador, experimentam uma estação de transição única. Muitas vezes associamos essa estação aos padrões europeu e americano, com a característica da perda de folhas.