Falsa couve: entenda o perigo da Nicotiana glauca, planta que intoxicou família em Minas
Espécie conhecida como “charuteira” ou “couve-do-mato” contém alcaloides neurotóxicos que podem causar paralisia e parada cardíaca mesmo após o cozimento das folhas
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Uma tragédia rural acendeu o alerta sobre uma planta tão comum quanto perigosa. Em Patrocínio, no Alto Paranaíba, quatro pessoas da mesma família foram internadas em estado grave após ingerirem uma planta que acreditavam ser couve.
O vegetal, porém, foi identificado como Nicotiana glauca, popularmente chamada de “falsa couve” ou “charuteira”, uma espécie venenosa que pode ser fatal mesmo em pequenas quantidades.
A confusão ocorreu porque as folhas da Nicotiana glauca se parecem muito com as da couve tradicional (Brassica oleracea), amplamente usada na culinária mineira. O preparo do almoço foi fatal, as folhas foram colhidas da horta, refogadas e servidas.
Pouco tempo depois, todos começaram a passar mal. Segundo o Corpo de Bombeiros, três das vítimas chegaram a sofrer paradas cardíacas e precisaram ser reanimadas.

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O que é a Nicotiana glauca
Originária da América do Sul, a Nicotiana glauca pertence à mesma família do tabaco. A planta cresce facilmente em áreas rurais, beiras de estrada e quintais, o que aumenta o risco de confusão com a verdura. Ela é conhecida por diferentes nomes populares, como “falsa couve”, “charuteira”, “couve-do-mato” ou “erva-de-charuto”.

Apesar de seu aspecto inofensivo, a planta abriga um dos compostos naturais mais perigosos já identificados, a anabasina, um alcaloide neurotóxico.
Substâncias tóxicas e mecanismo de ação
A Nicotiana glauca contém alcaloides piridínicos, como anabasina, nicotina, anatabina e nornicotina. Essas substâncias atuam diretamente sobre o sistema nervoso, afetando funções vitais como batimento cardíaco, respiração e controle muscular.
Segundo o doutor em Genética e Bioquímica Sandro Henrique Ribeiro, ouvido pelo Paranaíba Mais, a intoxicação ocorre em duas fases:
1ª fase — excitatória:
Os alcaloides imitam a acetilcolina, neurotransmissor responsável por ativar músculos e órgãos. Essa superestimulação causa:
- Taquicardia (coração acelerado);
- Hipertensão;
- Náusea e tontura;
- Sudorese intensa.
“É como se o sistema nervoso recebesse uma descarga maciça de neurotransmissores. O corpo entra em alerta total, com aumento dos batimentos e transpiração excessiva”, explica o pesquisador.
2ª fase — bloqueadora:
Após a estimulação inicial, os receptores nervosos entram em fadiga. Ocorre uma queda brusca na atividade elétrica, levando a:
- Diminuição da frequência cardíaca;
- Queda de pressão;
- Paralisia muscular e respiratória;
- Parada cardíaca.
“Essa fase bloqueadora faz o coração desacelerar de repente. Se o atendimento não for imediato, o paciente pode entrar em parada respiratória ou cardíaca”, completa Sandro Henique.
Cozinhar não elimina o veneno
Um erro comum é acreditar que o cozimento neutraliza o veneno. Segundo o especialista, o calor não destrói os alcaloides da planta.
Mesmo refogadas, as folhas mantêm seu potencial tóxico, o que explica por que a família mineira foi intoxicada logo após o almoço. “Essas substâncias são termoestáveis. Não importa se a planta foi cozida, frita ou refogada, a toxicidade permanece”, reforça o doutor Sandro Ribeiro.
O que acontece no corpo
Em minutos, os alcaloides atingem o sistema nervoso central e periférico.
- No coração, provocam descompasso entre estímulos elétricos e contrações musculares;
- Nos pulmões, reduzem a capacidade respiratória;
- No cérebro, alteram centros que controlam pressão e ritmo cardíaco.
O resultado pode ser colapso cardiorrespiratório, como o observado em vários casos descritos na literatura médica internacional.
Sintomas de intoxicação por Nicotiana glauca
- Náuseas e vômitos logo após a ingestão;
- Tontura e sudorese intensa;
- Batimentos acelerados (taquicardia) seguidos de queda brusca da frequência cardíaca;
- Fraqueza muscular e dificuldade para respirar;
- Perda de consciência e parada cardíaca.
Em qualquer suspeita, a orientação é procurar atendimento médico imediato. O tratamento é de suporte, com ventilação mecânica e estabilização cardiovascular, não existe antídoto específico.
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Alerta para zonas rurais
O caso de Patrocínio serve como alerta para produtores e moradores de áreas rurais. A falsa couve cresce espontaneamente e pode ser confundida com verdura. A recomendação de especialistas é evitar o consumo de plantas silvestres não identificadas e redobrar a atenção em hortas caseiras.
“A Nicotiana glauca é uma planta bonita, mas traiçoeira. Basta uma refeição para causar um quadro grave de intoxicação”, alerta o biólogo.