Agroecologia e agricultura sustentável: como produzir alimentos respeitando os limites da natureza
Modelos alternativos ao cultivo convencional ganham força no Brasil e no mundo, promovendo a produção de alimentos saudáveis, recuperação ambiental e justiça social no campo
A agroecologia e os sistemas agrícolas sustentáveis têm se consolidado como alternativas viáveis à agricultura convencional. O modelo, baseado na integração entre conhecimento científico e saberes tradicionais, propõe a produção de alimentos com menor impacto ambiental, uso racional dos recursos naturais e inclusão social dos pequenos produtores.

Em meio às discussões sobre mudanças climáticas, segurança alimentar e degradação ambiental, o debate sobre práticas agrícolas sustentáveis ganhou visibilidade em organismos internacionais, centros de pesquisa, cooperativas e entre os próprios agricultores. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) destaca que sistemas agroecológicos são essenciais para garantir a produção de alimentos em longo prazo sem comprometer os ecossistemas. Segundo o órgão, a agroecologia pode ajudar a transformar os sistemas alimentares e atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030.
Do modelo convencional à agroecologia
A agricultura convencional, baseada em monoculturas, uso intensivo de insumos químicos e mecanização em larga escala, trouxe ganhos de produtividade desde a Revolução Verde, mas também gerou impactos como degradação do solo, contaminação de águas e perda de biodiversidade. Estima-se que 33% das terras agricultáveis no mundo já estejam degradadas, segundo relatório da FAO (2015).
A agroecologia, por sua vez, propõe a produção diversificada, o manejo ecológico dos solos, o uso de biofertilizantes, a valorização da agrobiodiversidade e o fortalecimento de circuitos curtos de comercialização. Ela não se limita a uma técnica agrícola, mas envolve um enfoque sistêmico, que considera aspectos sociais, culturais, econômicos e ambientais da produção rural.
Práticas sustentáveis no campo
Entre as práticas associadas à agroecologia e à agricultura sustentável estão:
-
Adubação verde: uso de plantas que enriquecem o solo com nutrientes;
-
Compostagem: aproveitamento de resíduos orgânicos para fertilização;
-
Controle biológico de pragas: uso de predadores naturais em vez de pesticidas;
-
Rotação de culturas: alternância no cultivo para manter o equilíbrio do solo;
-
Agrossistemas integrados: integração entre lavoura, pecuária e floresta.
Essas práticas favorecem o equilíbrio dos ecossistemas agrícolas e reduzem a dependência de insumos externos, aumentando a resiliência das propriedades rurais às mudanças climáticas e a crises de mercado.
Brasil: referência em pesquisa e políticas públicas
O Brasil é considerado um dos países com maior potencial para o avanço da agroecologia. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolve, há décadas, estudos voltados à agricultura de base ecológica. Unidades como a Embrapa Agroecologia e Embrapa Meio Ambiente publicam regularmente dados e tecnologias adaptadas à realidade dos pequenos e médios produtores.
Fonte: Embrapa Agroecologia
Além disso, programas governamentais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) contribuíram para o fortalecimento do setor nas últimas décadas. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Brasil conta com cerca de 17 mil unidades produtivas certificadas como orgânicas e inúmeras outras em processo de transição agroecológica.
Desafios estruturais e disputas de modelo
Apesar dos avanços, a consolidação da agroecologia como modelo predominante de produção enfrenta obstáculos. A concentração fundiária, o acesso restrito a crédito rural e políticas públicas, e a predominância do agronegócio nas pautas legislativas são fatores que dificultam a ampliação dos sistemas sustentáveis no campo.
“O maior desafio da agroecologia é disputar o modelo hegemônico de produção. Ela mostra que é possível produzir de forma diferente, mas precisa de apoio técnico, financiamento e valorização no mercado”, afirma Denis Monteiro, secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Fonte: ANA Brasil
Outro ponto de tensão é o processo de certificação orgânica. Muitos agricultores familiares utilizam práticas agroecológicas, mas não têm acesso à certificação formal por barreiras burocráticas ou custos. Para esses casos, há sistemas participativos de garantia, reconhecidos pelo Ministério da Agricultura, que funcionam com base na confiança, visitas técnicas e trocas de experiência entre os próprios produtores e consumidores.
Comercialização e consumo local
A agroecologia também propõe a reconfiguração das relações de consumo. Em vez de grandes cadeias de distribuição, valoriza-se a venda direta em feiras, cestas de alimentos e mercados institucionais. A Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por exemplo, estabelece que pelo menos 30% da alimentação escolar deve vir da agricultura familiar, o que inclui produtos agroecológicos e orgânicos.
Cidades como Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo mantêm programas de compras públicas de alimentos sustentáveis. Essa conexão entre campo e cidade é essencial para reduzir a pegada de carbono do sistema alimentar e garantir alimentos frescos, sazonais e cultivados com menor uso de agrotóxicos.
Agroecologia e segurança alimentar
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece a agroecologia como estratégia fundamental para a erradicação da fome. Relatórios do Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis (IPES-Food) indicam que a transição agroecológica pode alimentar o mundo de forma justa e sustentável.
Fonte: IPES-Food
“Não se trata de voltar ao passado, mas de usar o melhor da ciência e da tradição para enfrentar os desafios atuais”, destaca o agrônomo francês Olivier De Schutter, relator da ONU para o direito à alimentação entre 2008 e 2014.
Transição agroecológica nas universidades e nas cidades
A formação de profissionais voltados à agroecologia também tem crescido. Diversas universidades brasileiras oferecem cursos de graduação, especialização e extensão em agroecologia. O Instituto Federal do Pará, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e a Universidade Federal da Fronteira Sul são algumas instituições que atuam fortemente na formação agroecológica.
Em áreas urbanas, hortas comunitárias, permacultura e agricultura urbana têm se baseado nos princípios agroecológicos para oferecer alimentos saudáveis e envolver comunidades em práticas sustentáveis.
Caminho para o futuro
A transição para sistemas alimentares sustentáveis requer articulação entre governos, sociedade civil, universidades e setor produtivo. A agroecologia se apresenta como proposta viável e necessária para conciliar produção de alimentos, conservação ambiental e justiça social.
Segundo a Embrapa, é possível conciliar produtividade com conservação dos recursos naturais, desde que se considerem os limites ecológicos e a diversidade sociocultural dos territórios. A mudança de paradigma, no entanto, depende de vontade política, investimento em ciência e apoio ao agricultor.