Reféns do medo: a impunidade e o descaso que silenciam as mulheres

Despreparo e burocracia no combate à violência de gênero agravam a vulnerabilidade das vítimas em Uberlândia

26/09/2024 ÀS 12H33

- Atualizado Há 1 semana atrás

Impunidade. Uma palavra que sentencia muitas mulheres vítimas de violência em Uberlândia.

A médica brutalmente agredida pelo marido me leva a pensar muito sobre isso. Pelo relato da vítima, são mais de 10 anos de sofrimentos físicos, psicológicos e patrimoniais.

Uma médica bem-sucedida espancada pelo marido, que é advogado e bom entendedor das leis. Enquanto muitos se perguntam por que ela suportou tantos anos de violência, a resposta é clara e cruel: o medo. Medo de perder tudo, o filho e, acima de tudo, medo da impunidade, que muitas vezes protege o agressor e silencia a vítima.

Com a proteção morosa do Estado, o jeito mais ágil de se sentir segura e proteger o filho foi fugir de Uberlândia. É um grande absurdo que a vítima tenha que sair da própria casa, abandonar a sua vida, o trabalho, a escola do filho para se sentir segura. Como se a criminosa fosse a mulher.

Espancada pelo marido
Médica que foi agredida pelo marido enfrentou burocracia e despreparo no atendimento – Foto: TV Paranaíba/Reprodução

Impunidade como resultado do despreparo

Para muitos, culpar a vítima parece justo. Não basta todo o desespero enfrentado por anos, o temor à morte, o medo de perder o filho, a falta de uma rede de apoio e de proteção que funcione. A vítima ainda precisa passar pelo constrangimento do julgamento injusto, quando o que deveria estar em pauta era somente como proteger essa mulher, deter e culpabilizar o algoz.

Se não pudesse piorar, a burocracia foi mais um caminho espinhoso para essa vítima. A Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher não funciona aos finais de semana. Ainda que seja lei a obrigatoriedade de manter o funcionamento 24 horas todos os dias. Temos aqui mais uma clara violação dos direitos da mulher violentada.

Essa mulher relata que buscou ajuda e, ao invés de se sentir amparada na delegacia, foi constrangida com a alegação de conivência e omissão com as violências na qual foi submetida.

Qual a parte do “eu era violentada, ameaçada sob a mira de uma arma e manipulada” que ficou difícil de entender?

Preciso reforçar aqui que as medidas protetivas a ela e ao filho, concedidas pelo Judiciário, só vieram quatro dias depois do crime e por provocação da advogada da vítima.

Descaso também é violência!

Não é a primeira vez que nos deparamos com esse tipo de relato, de vítimas de violência que se sentem desassistidas quando a Justiça demora ou quando a polícia não age. Isso quando o policial no front não se recusa a registrar boletim de ocorrência ou sequer envia uma viatura ao local.

No bairro Morumbi, ainda esta semana, uma mulher foi agredida em via pública pelo companheiro (ou ex, testemunhas não souberam dizer). Ele chega a danificar o carro da vítima, que entra às pressas no carro e vai embora.

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Vizinhos chamaram a polícia, que não foi. Não houve registro de ocorrência. O que houve foi mais uma vítima de violência de gênero subnotificada em Uberlândia e um agressor à solta e sem qualquer responsabilização.

Eu sei que alguns policiais passam por qualificação para atender de forma humanizada as vítimas de violência e fazer os devidos encaminhamentos. Em nota para a imprensa, a Polícia Civil reforçou isso.

Mas, na realidade, são minoria. O despreparo impera na maior parte das delegacias, nos batalhões de polícia e unidades de saúde de todo o país.

Um fio de esperança

O caso da médica que apanhou brutalmente do marido em bairro nobre da cidade e o caso da motorista agredida na via pública, em uma região periférica, são o retrato de que a violência contra a mulher não escolhe classe social. Nem a impunidade.

Uberlândia, como sabemos, lidera os feminicídios em Minas e já ultrapassou os números de 2023. A Prefeitura de Uberlândia criou, recentemente, o Núcleo Intersetorial de Prevenção da Violência e Promoção da Cultura de Paz.

Os trabalhos buscam interligar toda a rede de proteção e atendimento da vítima de violência na cidade e talvez possam ser um paliativo. Uma das tratativas, segundo o Município, é reavaliar os fluxos de atendimento às vítimas de violência na rede pública.

Eu espero de verdade que funcione. Mas para funcionar, é preciso qualificar e assegurar amparo digno e seguro para as vítimas.

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Caroline Aleixo

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