Contratos de profissionais da Saúde indicam perdas financeiras aos cofres de Uberlândia
MPF apurou que contratações sem vínculo empregatício são precárias e prejudiciais para os trabalhadores e ao serviço público
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Os contratos de profissionais da Saúde de Uberlândia, sem vínculo direto com o Município, levou o Ministério Público Federal (MPF) a denunciar as condições precárias dos trabalhadores e as perdas financeiras que a rede pública de saúde vem acumulando.
A contratação de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate às Endemias (ACE) é celebrada diretamente com a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM).

Segundo a apuração, esses contratos de profissionais da Saúde estão em desacordo com a legislação federal 11.350/2006, que exige a regularização do vínculo empregatício dessas categorias diretamente com a Administração Municipal.
Para o procurador da República Cléber Eustáquio, a regularização trabalhista é fundamental para a rede pública, uma vez que os recursos federais recebidos pelo município são limitados quando o vínculo dos agentes é indireto.
“Uberlândia é uma das três únicas cidades, entre as 10 maiores de Minas Gerais, que não possui nenhum ACS com vínculo direto com o município. Todos os agentes comunitários de Uberlândia são contratados por meio de Organizações da Sociedade Civil (OSCs), o que também configura renúncia de receitas do Fundo Nacional de Saúde”, justificou.
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Contratos de profissionais da Saúde e trabalho precário
O Paranaíba Mais conversou com dois agentes comunitários que preferiram não se identificar. Eles relataram algumas consequências da contratação irregular, como a alta rotatividade e desigualdade nas condições de trabalho.
Além disso, o pagamento do piso salarial e do adicional de insalubridade há anos não era honrado.
“Começaram a nos pagar insalubridade há alguns meses. Um direito nosso que não era repassado. No nosso trabalho sempre tivemos contato direto com o paciente durante as visitas, já aconteceu de um colega acompanhar paciente com tuberculose, transmitida muito facilmente, e não ter nenhum respaldo. Somos totalmente vulneráveis a situações de risco”, relatou o agente.

Os agentes comunitários de saúde têm a função de realizar o cadastramento da população, fazer visitas domiciliares para coletar informações sobre os moradores, como gestantes, crianças e diabéticos. Além disso, o profissional também realiza a busca ativa para acompanhar gestantes faltosas ou crianças com vacinas atrasadas.
No entanto, uma trabalhadora disse que chegou a realizar tarefas como agente de endemias, mesmo não recebendo pela função e nem tendo competência para tal. A mudança gerou insatisfação na categoria, já que os ACS foram obrigados a realizar tarefas semelhantes às dos agentes de endemias, com um salário muito inferior e sem a devida capacitação para assumir a responsabilidade.
Outro problema relatado é que a divergência entre os contratos de profissionais da Saúde incorre em discriminação na rede. Ela contou também que as situações de assédio são recorrentes, não existindo abertura para reclamações.
“Vemos muito também assédio moral. Eles estão dando termo de conduta [advertência] para qualquer coisa e forçam você a assinar. A pressão psicológica é muito grande. É uma empresa que você não tem oportunidade, nem liberdade para se posicionar. Se você ir contra…”, disse.
Perda de recursos
Uma ação civil pública foi protocolada pelo MPF nesta semana. O órgão denuncia que os contratos de profissionais da Saúde não só deixam as oportunidades de trabalho desiguais, como compromete a qualidade dos serviços prestados, uma vez que mais recursos públicos poderiam ser recebidos.
A título de comparação, em 2021, Uberlândia recebeu apenas R$ 365 mil mensais de Assistência Financeira Complementar (AFC), enquanto Contagem, com população semelhante, recebeu cerca de R$ 800 mil.

O AFC é um aporte financeiro que o governo federal envia para os municípios para cumprimento do pagamento do piso salarial das categorias. De acordo com o Ministério Público, o município da região metropolitana conta com todos os agentes comunitários de saúde contratados diretamente com a Prefeitura.
A estimativa é de que Uberlândia tenha deixado de receber mais de R$ 30 milhões, nos últimos seis anos, em recursos federais para a saúde em razão desse modelo de contratação.
Além disso, em 2022, o município gastou com recursos próprios para cobrir cerca de 200 agentes comunitários adicionais, valores que, segundo Cléber Eustáquio, poderiam ser aplicados em outras áreas da rede pública de saúde.
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Processo
A ação tramita na 2ª Vara Federal de Uberlândia e pede a condenação do Município para passar a contratar os agentes apenas mediante concurso público.
O MPF ainda requer a condenação do Município de Uberlândia para ressarcir o Fundo Nacional de Saúde, em dobro, os valores destinados a OSCs nos últimos 10 anos, relativos às diferenças acima do que caberia aos funcionários, considerado o piso salarial da categoria.
O que diz a Prefeitura?
Em nota, a Prefeitura de Uberlândia esclareceu que os contratos de profissionais de Saúde ocorrem conforme a legislação vigente, uma vez que a modalidade de contratação desta categoria é uma prerrogativa do gestor do local.
Alegou ainda que o tema também já foi objeto de análise do Ministério Público Estadual, com parecer favorável aos atos administrativos da gestão.
Por fim, ressaltou que a contratação dos agentes de combate a endemias já ocorre por meio de concurso público, com vínculo direto.
A SPDM também foi procurada e, embora não tenha sido notificada, ressaltou que as admissões dos agentes seguem o contrato de gestão estabelecido com a Secretaria Municipal de Saúde.
Sobre as denúncias, informou que “possui um forte programa de compliance, com Manual de Conformidade Administrativa, Políticas e Princípios de Integridade estabelecidos e difundidos entre todos os colaboradores. Além disso, a SPDM mantém um Canal Confidencial para apurar relatos de experiência dos profissionais que atuam nas diversas unidades e projetos da instituição”.