Ritos de adeus, votos de futuro: o que acontece quando um Papa morre

Tradições seculares, mudanças recentes e um roteiro detalhado marcam a despedida do líder da Igreja Católica e a preparação para o futuro pontífice

, em Uberlândia

-

Quando um Papa morre, o tempo parece parar dentro dos muros do Vaticano. Cada gesto, cada palavra e cada silêncio têm seu lugar em um ritual milenar que, mesmo adaptado aos novos tempos, preserva símbolos e tradições que remontam à fundação da Igreja Católica.

Cardeais
Durante o Conclave, os cardeais se reúnem em uma área isolada no Vaticano, chamada zona de Conclave – Crédito: Vatican Media/Reprodução

A morte do Papa Francisco, aos 88 anos, após 12 anos de pontificado, abriu mais uma vez o solene capítulo conhecido como Sé Vacante, um período em que a Santa Sé se vê sem seu comandante, mas guiada por regras meticulosas que organizam o luto, a transição e a escolha de um novo líder.

📲 Siga o canal de notícias do Paranaíba Mais no WhatsApp

A confirmação

O primeiro a ser acionado é o Camerlengo, figura-chave nesse momento. Cabe a ele confirmar oficialmente o falecimento do pontífice. A tradição previa que o cardeal tocasse a testa do Papa três vezes com um pequeno martelo de prata enquanto chamava seu nome de batismo — um gesto simbólico que, embora não seja mais praticado literalmente, ainda carrega peso litúrgico. Com a confirmação da morte, inicia-se uma série de atos que suspendem a normalidade do Vaticano.

Portas fechadas, anel destruído

Imediatamente após a constatação do óbito, o Camerlengo lacra o apartamento e o escritório papal, selando o local até que um novo pontífice assuma o comando. Essa prática histórica tem raízes em tempos em que havia o temor de saques ou manipulações nos aposentos papais.

Outro rito emblemático ocorre diante do Colégio dos Cardeais: a destruição do Anel do Pescador, uma joia que representa a autoridade do Papa e a continuidade com o apóstolo Pedro. Tradicionalmente feito em ouro, o anel passou a ser de prata sob o papado de Francisco e trazia apenas uma cruz, ao invés do tradicional desenho de São Pedro. A peça é quebrada para simbolizar o fim do pontificado e evitar qualquer possibilidade de falsificação de documentos oficiais.

Funeral simples

Com a morte de um papa, a Igreja entra no período conhecido como Sé Vacante, quando o trono de São Pedro fica oficialmente vago. Nessa fase, todas as decisões administrativas mais importantes são suspensas até a escolha do novo pontífice.

Com mudanças introduzidas pelo próprio Francisco em 2024, o funeral papal deverá ter um formato inédito. Em vez dos três caixões clássicos — cipreste, chumbo e carvalho — serão usados apenas dois: um de madeira simples e outro de zinco. A ideia, segundo o documento Ordo Exsequiarum Romani Pontificis, era reforçar a imagem do Papa como pastor humilde, e não como figura de poder.

O funeral segue um ritual tradicional repleto de simbologia, conduzido por cardeais do alto clero. O corpo do pontífice será levado diretamente à Basílica de São Pedro, onde ficará exposto aos fiéis no interior do caixão, abolindo o antigo estrado elevado. Francisco também havia deixado claro que desejava ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, e não na tradicional cripta sob a Basílica de São Pedro.

Durante nove dias, missas serão celebradas em honra ao pontífice, conforme a tradição dos novendiales, um período de oração pela alma do Papa falecido.

×

Leia Mais

Novo líder

A sucessão papal segue um cronograma rigoroso. O Colégio dos Cardeais, composto atualmente por 252 membros — sendo 138 com menos de 80 anos e, portanto, aptos a votar — é convocado para as chamadas Congregações Gerais. Nelas, são discutidas questões urgentes da Igreja e definidos os detalhes do Conclave, como a data de início e a logística do processo.

Durante o Conclave, os cardeais se reúnem em uma área isolada no Vaticano, chamada zona de Conclave. Eles juram sigilo absoluto e permanecem isolados até a escolha do novo Papa. A decisão é tomada por votação secreta e a tradicional fumaça branca indica ao mundo que um novo sucessor de Pedro foi escolhido.

Eles permanecem isolados dentro da Capela Sistina e, a cada votação, queimam as cédulas com produtos químicos que indicam o resultado: a fumaça preta revela que ainda não houve consenso; a branca anuncia ao mundo que um novo papa foi escolhido. Quando isso acontece, o cardeal decano surge na sacada da basílica para fazer o anúncio: “Habemus Papam”. É o sinal de que o silêncio do luto dá lugar ao ritual de continuidade. O novo líder da Igreja Católica então aparece para sua primeira bênção como pontífice, iniciando oficialmente seu papado.

Leia mais: Confira quem são os possíveis nomes para suceder Papa Francisco

Quem comanda enquanto não há papa?

Enquanto a Igreja permanece sem um líder, cabe ao Camerlengo — atualmente o cardeal irlandês Kevin Joseph Farrell — conduzir a administração temporal do Vaticano. Ele é responsável por supervisionar os preparativos do funeral e do Conclave, além de cuidar dos bens e do tesouro da Santa Sé.

Boa parte da cúpula vaticana é automaticamente destituída nesse período, incluindo o Secretário de Estado e os líderes dos dicastérios (os “ministérios” do Vaticano). No entanto, alguns cargos permanecem ativos, como o Penitenciário-Mor, o Cardeal Vigário-Geral para Roma, o Arcipreste da Basílica do Vaticano e o Esmoleiro Apostólico, encarregado das ações de caridade em nome do papa.