Quem é a mineira que se tornou a primeira mulher negra da Academia Brasileira de Letras
Ana Maria Gonçalves faz história ao ser eleita para a ABL com 30 votos e reforça a luta por representatividade na literatura brasileira
-
A primeira mulher negra da Academia Brasileira de Letras, a mineira Ana Maria Gonçalves rompeu uma barreira de 128 anos e abriu caminho onde antes não havia espaço. Com 30 dos 31 votos possíveis, a escritora, roteirista, dramaturga e publicitária de 55 anos foi eleita para a cadeira nº 33 da ABL, tornando-se a primeira mulher negra a ocupar um assento entre os chamados “imortais”.
Autora de “Um defeito de cor”, romance multipremiado que ressignificou a forma de narrar a história da escravidão no Brasil, Ana Maria agora entra para a instituição criada por Machado de Assis — outro homem negro que, embora fundador, seguiu por décadas como exceção solitária na Casa. A conquista marca não só a sua trajetória, mas também uma virada simbólica na própria ABL, que se aproxima da diversidade do Brasil real.
📲 Siga o canal de notícias do Paranaíba Mais no WhatsApp

De Ibiá para o mundo
Nascida em Ibiá, no interior de Minas Gerais, Ana Maria construiu uma trajetória plural. Formada em publicidade, viveu por mais de uma década em São Paulo, até mudar-se para a Bahia, onde deu início à carreira literária. Sua estreia veio em 2002 com “Ao lado e à margem do que sentes por mim”, mas foi em 2006 que ela conquistou o país com “Um defeito de cor”, romance de 952 páginas que percorre a vida de Kehinde, uma menina sequestrada na África e escravizada no Brasil, até sua libertação e o retorno à terra natal.
A obra, considerada uma das mais importantes da literatura brasileira contemporânea, ganhou o Prêmio Casa de Las Américas e inspirou projetos culturais diversos, como a exposição no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab) e o enredo da escola de samba Portela no Carnaval 2024.
A primeira mulher negra da Academia Brasileira de Letras
A eleição para a Academia Brasileira de Letras foi recebida com entusiasmo por colegas já empossados. A antropóloga e também imortal Lilia Schwarcz celebrou o “dia histórico” e destacou a potência do feminismo negro na literatura brasileira. Para o cantor e acadêmico Gilberto Gil, a presença de Ana Maria representa “movimento”.
Bem-vinda, Ana Maria 💙 https://t.co/3Ho5RZtEIS
— Gilberto Gil (@gilbertogil) July 11, 2025
O presidente da ABL, Merval Pereira, também enalteceu a escritora, destacando que “Um defeito de cor” foi eleito o mais importante romance brasileiro dos últimos 25 anos. Ele também reforça o compromisso da ABL com a representatividade étnica, de gênero e cultural.
Leia Mais
Um novo capítulo para a ABL
A presença de Ana Maria Gonçalves na ABL se insere em um contexto de transformações recentes. Nos últimos anos, a Casa recebeu figuras como Ailton Krenak, primeiro indígena eleito, e aumentou modestamente o número de mulheres, apesar de ainda serem minoria entre os 40 membros.
A eleição da autora também reaquece o debate sobre a candidatura de Conceição Evaristo, que, em 2018, foi ignorada pela instituição mesmo com apoio popular massivo. Na época, a ausência de protocolos tradicionais foi vista como motivo para a rejeição , um contraste com a bem articulada candidatura de Ana Maria, que se inscreveu formalmente após a morte de Evanildo Bechara, ocupante anterior da cadeira 33.
Mais que literatura
Além de escritora, Ana Maria é também uma figura ativa nos debates públicos sobre racismo, desigualdade e a construção do cânone literário no Brasil. Viveu nos Estados Unidos por alguns anos, mas continuou presente nas discussões nacionais, como quando criticou o racismo em livros didáticos ou protestou contra a escolha de um ator branco para interpretar Machado de Assis em uma propaganda.
Em suas obras e posicionamentos, ela carrega um projeto claro: provocar reflexão sobre as estruturas de exclusão e dar voz à memória coletiva de um povo historicamente silenciado. Seu trabalho busca não só preservar raízes, mas também apontar novos caminhos para o futuro da literatura e da sociedade brasileira.