Conheça estilistas de Uberlândia que estão revolucionando o mercado da moda independente
Moda autoral ganha força e desafia o domínio da "fast fashion" com nova safra de estilistas de Uberlândia
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Em 2023, os uberlandenses viram, com orgulho, Patrícia Bonaldi vestir a cantora Beyoncé. Contudo, na cidade de Fabiana Milazzo e Letícia Manzan, um vibrante cenário de moda independente, carregado de significado e propostas disruptivas, tem se movimentado nos bastidores. Estilistas de Uberlândia, de maneira artesanal e sem grandes recursos, utilizam materiais e incentivos limitados para afirmar a moda como arte.

Nova safra de estilistas de Uberlândia se destaca
Marcas como Vandal Punk, Pink Vulgaris, Vanguarda 034, Scarlet Slow Fashion, Spirandelli laboratories, e illut mostram para a cidade que consumir moda, vestir-se bem e ter exclusividade nas peças não são privilégios encontrados apenas nos grandes ateliês. Esses estilistas, que se constituíram no Underground ou movimento alternativo, têm ganhado cada vez mais espaço e se apresentam como alternativa em uma era de domínio do Fast Fashion e das tendências.
Recentemente, Uberlândia foi palco do evento de moda independente do Triângulo Mineiro: a 4ª edição do Uberlândia Fashion. Produzido por Gabriela dos Reis, conhecida como Santo Sol, o desfile reuniu 14 marcas independentes da cidade e contou com a participação de estudantes de moda, estilistas iniciantes e mais experientes. Na ocasião, empresas divulgaram ferramentas de inserção de artistas no mercado da moda, e marcas de outras cidades apresentaram seus conceitos e processos criativos, promovendo uma troca de conhecimento que fortalece o cenário local.
Costurando identidade: a moda independente e a estética que reflete cultura
“Traga a internet para a quebrada, e a quebrada para a internet. De sempre para sempre, fazendo coisas reais para pessoas reais”, esta frase estampa a etiqueta das roupas da marca Cyb3r Gh3tto Clothing Concept, de Gustavo de Oliveira, conhecido como Khaotho. Em entrevista ao Paranaíba Mais, ele diz que sua marca “vai além da roupa, é um estilo de vida”, e explicou que seu projeto de moda independente nasce de uma necessidade de se expressar e de ganhar dinheiro.
Órfão desde os 11 anos de idade, Khaotho conta ter sido criado pela rua, onde ele realmente viveu por um tempo, algo que busca abraçar em sua construção estética: “a marca é a cultura da rua se expressando de forma que ela se funde com alguma cultura digital. Eu quero trazer a minha vivência de rua para dentro da moda”.

O conceito da marca envolve peças altamente versáteis, com ênfase no estilo streetwear oversized, incorporando influências diretas do techwear e da costura oriental. Tendo como núcleo criativo o upcycling, técnica que reutiliza tecidos e peças para criar algo novo e autêntico. O processo criativo da marca valoriza sobreposições, padrões e texturas de maneira profundamente pessoal, com o objetivo de capturar, de forma genuína, a fusão das influências estéticas que inspiraram a criação de cada peça.
Com propósito de abraçar a estética das ruas e com referências em bandas de hardcore, para Khaotho, a Cyb3r Gu3tto foca não apenas em roupas, mas em construir uma identidade de maneira coletiva e que não está separada de outras manifestações artísticas, como a música. Em seu desfile no Uberlândia Fashion, levou às passarelas artistas de hip hop da cidade, realizando um showcase que buscou evidenciar a principal ideia por trás de sua marca de moda independente: “Cyb3r Gh3tto é mais que uma marca, é um conceito!”.
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A mesma relação de criação e identidade é contada por Pedro Carvalho, criador da marca Pepe udi. Para ele, que iniciou seu processo de criação recentemente, a moda independente tem sido uma maneira de se expressar. Ele explica que seus pontos de crochê buscam referência na arte abstrata, e que têm sido não apenas uma fonte de renda: “minha arte é algo que surge do inconsciente, talvez, é uma forma de expressão mais livre, que não vai ter nada me ditando algo de formato, algo que eu tenha que fazer, por isso acho que vai ter muito meu ali”.

Uberlândia Fashion: um vetor da moda independente em Uberlândia
Pepe, que começou a sua marca neste ano, e Khaotho, que iniciou há 3 anos, têm algo em comum: ambos passaram a ver a moda como possibilidade a partir do Uberlândia Fashion. O evento teve sua primeira edição em 2019, quando Santo Sol decidiu lançar a sua marca. Desde então, para além de incentivar novos talentos da moda independente, tem servido para que marcas de Uberlândia e região possam apresentar seus produtos para o público, agregando valor a uma cultura muitas vezes marginalizada.

“A ideia é tirar essa visão marginalizada que tem do underground. Roupas que você talvez não daria valor, de uma pessoa que faz as suas próprias camisetas, customiza, personaliza, tinge, faz a própria estampa à mão, etc. Às vezes as pessoas não pagariam nem R$70 na peça. E aí o evento transforma a forma como você apresenta esse produto, já agrega valor.”, explicou Santo Sol em entrevista ao Paranaiba Mais.
Para além de um evento com fins comerciais e de expressão artística, o Uberlândia Fashion também têm um trabalho importante na formação de novos modelos, que sonham com grandes passarelas. Santo Sol já foi modelo profissional, e explicou que o seu evento acolheu diversos aspirantes a modelo que não teriam condições de pagar por aulas de passarela.
Foram realizadas aulas, para que os modelos principiantes que desfilaram no evento pudessem aprender a desfilar e a se portar em uma passarela. “E a gente dá a mentoria tanto para os modelos que têm um sonho de estar na passarela, mas que nunca pisou numa agência, nunca teve condição de pagar um book ou agenciamento. A gente recebe essas pessoas, dá direcionamento, ensina como é uma passarela, ensina como é um ensaio fotográfico, ensina até termos usados para trabalho.” explicou.
Outro objetivo do Uberlândia Fashion, segundo Santo Sol, é furar a bolha que existe entre os artistas locais e mostrar os frutos da moda independente para as pessoas da cidade. Esse processo, segundo ela, faz parte da “ativação de marca”, e mostra para as pessoas que pode consumir moda e que ela existe para além dos ateliês restritos à alta sociedade.
Quando perguntada sobre o que diferencia a moda independente da moda de ateliê e das grandes lojas de departamento, Gabriela dos Reis, também conhecida como Santo Sol, respondeu ao Paranaíba Mais que “este tipo de moda nasce da necessidade de expressão e de encontrar meios para construir o que deseja”.

Moda independente como alternativa para a fast fashion
O fast fashion é um modelo de produção na indústria têxtil caracterizado pela fabricação em grande escala de peças de baixo custo e qualidade limitada, inspiradas rapidamente nas tendências mais recentes do mercado. Essa lógica incentiva o consumo constante e imediato, mas traz consequências preocupantes: contribui para o aumento do descarte de resíduos, intensifica a poluição e levanta questões sociais ligadas às condições de trabalho dos profissionais envolvidos nesse processo.

Todos os anos, 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis são produzidos globalmente, segundo a pesquisa Pulse of The Fashion Industry. No Brasil, só 20% das 170 mil toneladas de roupas produzidas anualmente são recicladas ou reaproveitadas. Essa lógica de mercado, predominante no consumo de roupas, é extremamente prejudicial ao meio ambiente, e problemática enquanto lógica de consumo.
Neste cenário, a moda independente se mostra uma importante alternativa para a relação entre as pessoas e as roupas. Boa parte das peças produzidas por estas marcas, têm uma forte preocupação com o meio ambiente, seja a partir da redução de danos na feitura das roupas, ou na reutilização de materiais.
“Eu prezo muito qual é a matéria-prima que os meninos usam, eu prezo muito mais em reaproveitar coisas do que ter que comprar um tecido novo, aproveitar a matéria-prima até a última, aproveitar toda a matéria-prima, sem descarte. Tanto que a Revolta, marca que esteve no Uberlândia Fashion, tem várias bags belíssimas, que são todas feitas de resto das roupas. Então vai juntando os retalhos, vai juntando os retalhos e cria ali uma peça para aproveitar totalmente a matéria-prima”, explica Santo Sol.