Tralhoto: o peixe quatro olhos que vê dois mundos ao mesmo tempo
Com olhos divididos, espécie amazônica vê dentro e fora da água ao mesmo tempo; alem disso, possui uma reprodução nada convencional
Imagine um peixe que parece ter quatro olhos, enxerga ao mesmo tempo dentro e fora d’água e ainda precisa de um “encaixe perfeito” para conseguir se reproduzir. Parece estranho? Pois esse ser existe e vive no litoral amazônico: é o tralhoto, também conhecido como peixe quatro olhos.
Apesar do apelido curioso, ele não possui quatro olhos de fato. O que ocorre é que cada um dos seus dois olhos é dividido horizontalmente por uma faixa de tecido, o que cria uma dupla funcionalidade: a parte superior capta o que está fora da água, enquanto a inferior observa o ambiente submerso. Essa habilidade visual única permite que ele identifique presas ou predadores tanto fora quanto dentro da água, o que é essencial para sua sobrevivência em regiões como manguezais, estuários e lagoas costeiras.
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Outro detalhe surpreendente é a forma como o tralhoto se reproduz. Machos e fêmeas têm os órgãos sexuais orientados lateralmente, sendo alguns para a direita, outros para a esquerda. Isso significa que um macho com genitália virada à direita só consegue copular com uma fêmea com a genitália voltada para a esquerda, e vice-versa. Essa peculiaridade limita os pares possíveis e funciona como um mecanismo natural de seleção dentro da população.
A reprodução, aliás, exige um verdadeiro esforço. O macho usa uma estrutura chamada gonopódio, que é uma nadadeira modificada, para transferir o esperma à fêmea. Esse processo envolve mordidas e um movimento corporal que lembra um “nó” para permitir a fertilização interna. A gestação pode durar até três meses e a ninhada geralmente tem cerca de dez filhotes.
Mais curiosidades
Mas as curiosidades não param por aí. Estudos científicos revelaram que os olhos do tralhoto possuem diferentes tipos de proteínas chamadas opsinas, que são pigmentos sensíveis à luz. A parte aérea dos olhos é mais sensível ao verde, enquanto a parte submersa responde melhor à luz amarela. Além disso, o peixe possui opsinas que captam luz ultravioleta, violeta e azul, o que amplia seu campo visual em ambientes aquáticos turvos e rasos.
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Essa visão adaptada é especialmente útil para evitar o chamado “efeito janela de Snell”, um fenômeno óptico que limita o campo de visão de quem está submerso. Enquanto a maioria dos peixes precisa compensar esse problema “calculando” a refração da luz, o tralhoto já está biologicamente equipado para enxergar melhor além da linha d’água.

Três espécies de tralhotos já foram identificadas. Duas vivem no litoral atlântico sul-americano, incluindo Brasil, Guiana Francesa e Suriname, enquanto uma terceira é nativa da costa do Pacífico. Todas compartilham a famosa visão dividida, embora se diferenciem em tamanho e quantidade de escamas.
Biodiversidade
Mesmo não sendo alvo da pesca comercial, os tralhotos sofrem com a degradação dos ambientes onde vivem. A poluição dos rios, a expansão urbana e atividades industriais e portuárias ameaçam as regiões estuarinas que servem de abrigo e fonte de alimento para a espécie.
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Seja pelo visual inusitado ou pela complexidade da reprodução, o tralhoto é um daqueles exemplos da biodiversidade brasileira que mostram como a natureza ainda guarda mistérios.