A cada 15 segundos uma mulher sofre algum tipo de violência no Brasil, segundo o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). A violência doméstica é a principal causa de mortes de mulheres no país.
O agravante é que não se trata de um caso isolado. A realidade revela uma epidemia silenciosa e obriga medidas urgentes para prevenir os crimes e proteger as vítimas. Um dos grandes problemas, no entanto, é a omissão da própria sociedade em denunciar. Muitas vezes a omissão acontece por medo.
Para quebrar esse ciclo de agressões e assassinatos de milhares de mulheres, o primeiro passo é entender sobre o que é a violência contra a mulher, quais são os crimes previstos e como identificar sinais de alerta.
O que é violência contra a mulher?
A Organização das Nações Unidas (ONU) define a violência contra a mulher como qualquer ato de agressão que cause sofrimento físico ou psicológico à vítima. Além de agressões, a prática engloba ameaças, omissão, coação e privação da liberdade.
Essa violência pode acontecer em qualquer lugar, seja na rua, no trabalho e, principalmente, em casa. O ambiente familiar e doméstico, por sua vez, é onde as violações mais acontecem, configurando o crime de violência doméstica previsto na Lei Federal n.º 11.340/2006, conhecida por Lei Maria da Penha.
A violência contra a mulher pode acontecer de 5 formas distintas. Entenda cada uma delas:
- Violência física: ocorre quando o crime viola a integridade e gera danos físicos. Exemplos: agredir, empurrar, chutar e tantas outras condutas que acabam causando ferimentos no corpo da mulher.
- Violência sexual: qualquer ação que submete a mulher a fazer, manter ou presenciar ato sexual sem a vontade e o consentimento dela. Violência cometida por meio de força, ameaça ou constrangimento físico, ou moral. Exemplos: obrigar a ter relação com outras pessoas, forçar a ver imagens pornográficas e até mesmo induzir ou obrigar o aborto.
- Violência patrimonial: se configura pelo ato de reter ou subtrair dinheiro e outros bens da mulher, que foi conquistado com seu trabalho. Exemplos: controlar o que ela gasta obrigando-a prestar contas e destruir instrumentos profissionais para impedir que ela trabalhe.
- Violência moral: ocorre quando o agressor desonra a mulher diante da sociedade com mentiras ou ofensas. Por exemplo: xingamentos e críticas caluniosas que causam constrangimento da vítima em público e acusá-la de algo que não fez.
- Violência psicológica: por fim, a violência psicológica é aquela que causa dano emocional, impacta a autoestima e o desenvolvimento pessoal da vítima. Exemplo: controlar os comportamentos e decisões da mulher, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação e isolamento.
Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha não apenas tipificou a violência doméstica como criou mecanismos para combater a violência contra a mulher no Brasil.
Além prever punições aos criminosos, estabeleceu medidas protetivas para resguardar as vítimas como a proibição de aproximação do agressor.
Mulher gosta de apanhar
“Mulher de bandido”, “ela gosta de apanhar”… Certamente frases como essas são ouvidas no cotidiano para tentar justificar o ciclo de violência que uma vítima sofre, porém não abandona o companheiro.
Mas a grande questão é que muitas sentem dificuldade em reconhecer que estão sendo vítimas de violência contra a mulher. Além disso, podem sentir medo em denunciar o seu agressor seja pelas ameaças sofridas ou, ainda, por dependência financeira e emocional.
Veja algumas outras situações que fazem com que a mulher se sinta acuada de denunciar:
- Vergonha, humilhação ou sentimento de culpa pelas violências sofridas
- Temor pela segurança pessoal e dos filhos
- Medo de perder a guarda dos filhos
- Falta de acolhimento familiar ou da comunidade em que está inserida
- Receio de que não será protegida pelo sistema policial e judiciário
- Expectativa de que o agressor vai mudar o comportamento
Fases do ciclo de violência
Quando o ciclo de violência contra a mulher acontece em um relacionamento abusivo, é preciso ficar atento aos sinais e compreender as fases dessa situação.
Segundo publicação do governo federal sobre o tema, o ciclo ocorre em três fases distintas. São elas:
- 1a fase: fase da tensão
- 2 a fase: fase da agressão
- 3 a fase: fase da lua de mel
A primeira fase se manifesta com a raiva, insultos, xingamentos e ameaças. Em seguida, o agressor se descontrola e explode com a tensão acumulada na fase anterior. É quando acontecem as agressões.
Na fase da lua de mel, o agressor pede perdão e tenta demonstrar arrependimento. Ocorrem ainda as promessas de mudanças, ficando repentinamente mais carinhoso e atencioso.
A vítima acaba acreditando na mudança, porém esse ciclo se repete, ficando cada vez mais difícil romper a relação de dependência com o agressor.
Consequências da cultura machista
Segundo a professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e coordenadora da Comissão Permanente de Acompanhamento da Política Institucional de Valorização e Proteção das Mulheres (CPMulheres), Neiva Flávia Oliveira, a desigualdade de gênero ocasionada pela cultura do machismo é um dos principais agravantes da violência contra a mulher.
“O nosso maior ponto é realmente estrutural da sociedade, temos uma sociedade patriarcal e machista, nossa história, logo, nossa memória e identidade estão assim construídas. E apesar de termos excelentes leis penais até cíveis, se não tivermos uma proposta que permita novas memórias, uma nova identidade igualitária entre homens e mulheres, de respeito às mulheres, continuaremos a ter o crescimento desses índices”, comentou.
Perfil do agressor x perfil da vítima
Neiva ainda destacou que há um perfil padrão nesses agressores, sendo homens que não respeitam as mulheres, que fazem piadas machistas, curtem e disseminam publicações misóginas. E ainda, na maior parte, tem histórico familiar de pais violentos e desrespeitosos com as mães.
Por outro lado, a violência contra a mulher, segundo a pesquisadora, reflete uma “trágica democracia”, atingindo mulheres de qualquer classe social e orientação sexual.
“Ricas, pobres, cis, trans, negras, brancas, mas sem dúvida alguma as mulheres pretas e pobres são as maiores vítimas, pois nesse ponto o machismo se encontra com o racismo e o elitismo, produzindo dados terríveis. Geralmente, mulheres trabalhadoras, que cuidam das casas e dos filhos, e que, em inúmeros casos, se cansam de ser exploradas e ousam reclamar, aí acumulam a violência financeira, psicológica e a física até o feminicídio”, exemplificou a professora.
Em 2015, o Código Penal foi alterado e passou a prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, sendo considerado crime hediondo.
A partir de então, o crime passou a ser entendido como homicídio qualificado contra as mulheres “por razões da condição de sexo feminino”.
Como denunciar?
O Ligue 180, disponibilizado pelo governo federal, é um dos serviços à disposição para recebimento de denúncias de violações contra as mulheres.
Ao receber a ligação, a central encaminha imediatamente os relatos aos órgãos competentes naquela determinada localidade e monitora o andamento dos processos.
Pelo serviço federal ainda é possível buscar informações sobre os direitos da mulher, das normas de proteção em vigor e também sobre a rede de atendimento e acolhimento de mulheres em situação de vulnerabilidade.
Em caso de emergências de violência contra a mulher, ligue 190 para acionar a Polícia Militar (PM). Outra opção é procurar atendimento na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) da cidade ou região, órgão vinculado à Polícia Civil.
Sinal de socorro que pode salvar vidas
Um sinal para pedido de socorro de vítimas de violência contra mulher vem ganhando força em todo o mundo.
O movimento foi criado pela organização Canadian Women’s Foundation durante a pandemia e começou a viralizar em 2022 pelo TikTok. Segundo a organização canadense, já são mais de 70 mil pedidos de socorro atendidos em quase 50 países.
O “Signal For Help” é feito com a palma da mão aberta, o polegar dobrado sobre a palma e os demais dedos fechados sobre o polegar. Veja a demonstração no vídeo abaixo.
Com o gesto simples e discreto, a vítima pode comunicar que está sendo vítima de violência de gênero e precisa de ajuda para verificar sua segurança e oferecer apoio.